O
norte-americano Arthur Ashkin recebeu o prêmio por desenvolver pinças ópticas e
o francês Gérard Mourou e a canadense Donna Strickland por avanços que levaram
ao laser de pulsos mais rápidos e intensos
Arthur
Ashkin, Gérard Mourou e Donna Strickland
Niklas Elmehed /
Nobel Media
O prêmio Nobel de Física de 2018,
anunciado pela Real Academia de Ciências da Suécia na terça-feira (2/10),
reconheceu o trabalho de três pesquisadores que ampliaram a possibilidade de
uso do laser para investigações de fenômenos na escala das células e das
partículas atômicas. As técnicas desenvolvidas têm também aplicações na
medicina, como a realização de cirurgias e tratamentos contra o câncer.
O físico norte-americano Arthur
Ashkin, que aos 96 anos é o mais idoso ganhador de um Nobel, receberá 4,5
milhões de coroas suecas (cerca de US$ 500 mil) correspondentes à metade do
prêmio. Trabalhando nos Laboratórios Bell, nos Estados Unidos, ele desenvolveu
ao longo de quase duas décadas uma ferramenta que se tornaria conhecida com
pinça óptica ou pinça de luz: um feixe muito focalizado de laser que permite
aprisionar e manipular uma infinidade de objetos microscópicos (inclusive
células vivas) sem danificá-los.
A outra metade do prêmio será
igualmente dividida entre os físicos francês Gérard Mourou e a canadense Donna
Strickland, a terceira mulher a receber um Nobel de Física – a primeira nos
últimos 55 anos. Em meados dos anos 1980, Mourou e Donna apresentaram uma
estratégia que permitiu superar barreiras técnicas na produção de laser,
permitindo aumentar sua intensidade e reduzir a duração do pulso a escalas que
não se imaginava ser possível alcançar.
“Os trabalhos são mesmo muito
bonitos e relevantes”, afirma o físico Carlos Henrique de Brito Cruz, professor
do Instituto de Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e diretor
científico da FAPESP. “Os três fizeram invenções e descobertas seminais e de
muito impacto no mundo da ciência e da tecnologia”, diz o pesquisador, que,
durante um estágio de pós-doutorado nos Laboratórios Bell, em 1986 e 1987,
acompanhou o trabalho de Ashkin.
Desde que as primeiras fontes de
laser foram produzidas nos anos 1960, sua intensidade aumentou continuamente
até atingir um limite nos anos 1980. As técnicas então disponíveis não
permitiam ir além porque destruíam o material usado na amplificação da luz. A
partir de certa intensidade, o cristal que a luz atravessa diversas vezes para
ganhar energia sofria danos e tudo parava de funcionar. Em um trabalho publicado em 1985 na revista Optics
Communication, Mourou e Donna apresentaram uma estratégia que
possibilitaria superar essa barreira. Hoje pesquisadora na Universidade de
Waterloo, Canadá, Donna era na época aluna de doutorado de Mourou na
Universidade de Rochester, nos Estados Unidos. Mourou é professor da Escola
Politécnica em Palaiseau, na França, e da Universidade de Michigan, nos Estados
Unidos.
No trabalho, a primeira
publicação científica de Donna, ela e o orientador se inspiraram em uma
estratégia proposta anos antes por outro pesquisador para criar equipamentos de
radar mais potentes, que não queimassem o sistema de amplificação que fornecia
energia aos pulsos de micro-ondas e lhes permitissem alcançar distâncias
maiores. Como a luz é uma forma de radiação eletromagnética, assim como as
micro-ondas, Donna e Mourou decidiram usar a mesma estratégia, chamada
amplificação por pulso chilreado (CPA).
Nessa estratégia, ao atravessar
um conjunto de prismas, o pulso de luz é decomposto em diferentes cores
(comprimento de onda), cada uma delas com menos energia. Isso permite que
passem pelo amplificador sem danificá-lo e, depois de atravessar outro conjunto
óptico, reunir todas as cores em um pulso bem mais energético e mais breve. “Um
sistema como esse aumenta em 1 milhão de vezes a energia do laser sem destruir
o cristal amplificador”, explica o físico Nilson Dias Vieira Junior,
pesquisador do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), que, no
início da década passada, construiu, com apoio da FAPESP, o então mais potente
laser do hemisfério Sul usando o sistema CPA. “O controle temporal da luz
obtido a partir dessa estratégia permitiu produzir fontes de laser que
reproduzem condições extremas, semelhantes à do interior das estrelas.”
Os físicos Nilson Dias Vieira Jr. (de preto, à
dir.), sua esposa Martha Vieira, Ricardo Samad e Lilia Courrol com Gérard
Mourou (ao fundo, à esq.) e sua esposa em 2006 na brasserie Balzar, em
ParisArquivo Pessoal Nilson Dias Vieira Jr.
Fontes de laser mais intensas e de pulsos muito
mais curtos permitem controlar melhor a interação da luz com a matéria. “Com
elas, é possível recortar a córnea de um doador e esculpir a área na qual será
implantada no olho de quem a recebe”, conta Vieira Junior. “O encaixe é tão
perfeito, com precisão da ordem do micrômetro, que dispensa suturas.”
Pulsos ultracurtos, que duram attossegundos (10-18
do segundo), também tornam possível produzir imagens de fenômenos
ultrarrápidos, como o movimento de uma partícula de carga elétrica negativa
(elétron) ao redor do núcleo atômico. “Eles nos permitem medir a duração de
fenômenos que antes, de tão rápidos, eram considerados instantâneos”, completa
o físico do Ipen, que também estagiou nos Laboratórios Bell de 1981 a 1984.
Alguns centros de pesquisa mais avançados já
começam a realizar testes com esse tipo de laser para acelerar partículas de
carga elétrica positiva (prótons) com possível aplicação no tratamento de
algumas formas de câncer. Hoje são necessários grandes aceleradores de
partículas, que ocupam instalações com dezenas a centenas de metros, para
produzir prótons para o tratamento oncológico. Em um espaço de apenas 10
centímetros, fontes de laser de alta intensidade já aceleram elétrons a
energias bem próximas às obtidas nos aceleradores de partículas convencionais.
Esses elétrons energéticos e a radiação produzida ao serem freados podem ser
usadas tanto na terapia de tumores como na investigação da estrutura da
matéria. Com mais aprimoramento, talvez se torne possível, no futuro,
substituir aceleradores de partículas por fontes de laser.
Quase simultaneamente ao trabalho
de Mourou e Donna, Arthur Ashkin, nos Laboratórios Bell, demonstrou em um artigo publicado em 1986 na revista Optics
Letters que era possível usar um único feixe laser, bastante
focado, para prender e manipular uma partícula microscópica. Desde os anos 1970
o físico usava laser para manusear partículas e já havia conseguido mantê-las
imóveis em um sistema tridimensional usando seis feixes de laser não
focalizados. Em dois trabalhos publicados em 1987, um na revista Science e outro na Nature, Ashkin mostrou que era
possível usar o laser focalizado para manipular vírus e bactérias e células
vivas sem danificá-las. “Isso fez explodir o interesse pela área”, conta o
físico Carlos Lenz Cesar, hoje professor na Universidade Federal do Ceará.
De 1988 a 1990, Cesar fez um
estágio de pós-doutorado nos Laboratórios Bell onde teve contato com Ashkin e
descobriu as pinças ópticas. Cesar investigava outro fenômeno, mas, no retorno
ao Brasil, decidiu instalar na Unicamp, em 1991, o primeiro equipamento de
pinças ópticas do país. Em colaboração com médicos do hemocentro da
universidade, Cesar inicialmente estudou as propriedades físicas da membrana
das hemácias, que ficam enrijecidas na anemia falciforme. A cooperação com
biólogos e médicos ampliou-se e o grupo hoje usa a técnica para, entre outras
coisas, manipular o material genético de células ou medir as forças envolvidas
na replicação do DNA durante a divisão celular.
Na Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), uma equipe multidisciplinar coordenada pelo físico Herch Moysés
Nussenzveig começou a usar mais tarde essa estratégia para estudar as
propriedades físicas da membrana que define a forma de diferentes tipos de
células do organismo (ver Pesquisa
FAPESP nº 213). O trabalho de Ashkin forneceu a base para o
trabalho do físico norte-americano Steven Chu, seu colega nos Laboratórios
Bell, criar armadilhas para aprisionar átomos, o que lhe rendeu o Nobel de
Física de 1997.
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