Reconhecimento imediato
Aparelho portátil emprega radiação
infravermelha para certificar a qualidade de alimentos, polímeros, fármacos e
tecidos
YURI VASCONCELOS | ED. 231 | MAIO
2015
©
LÉO RAMOS
Uso do aparelho
para determinar a doçura e a qualidade de maçãs
Em
um futuro próximo, caso alguém que decida comprar uma camisa 100% algodão
duvide de que a peça oferecida pela loja é mesmo feita com este material,
poderá tirar um aparelho de bolso, apontar para o tecido e ler no visor se de
fato é o indicado na etiqueta. A realidade é que esse equipamento portátil
poderá, dentro de alguns anos, estar disponível para consumidores, policiais e
inspetores de qualidade, por exemplo. O precursor desse dispositivo é o
espectrofotômetro portátil MicroNIR 1700, um instrumento compacto que opera no
comprimento de onda do infravermelho próximo, invisível ao olho humano. Com
potencial para identificar a composição química de produtos comerciais e outros
tipos de objetos sem precisar tocar neles, o aparelho está sendo testado por um
grupo de pesquisadores brasileiros interessados em tornar a tecnologia
acessível à população sem conhecimento técnico.
Uso do aparelho para determinar a doçura e a qualidade de maçãs |
A tecnologia NIR (sigla em inglês para
infravermelho próximo ou near infrared) não é
novidade. Ela já existe desde a década de 1970, mas seu uso está limitado a
aparelhos caros, complexos e não portáteis, operados principalmente por
técnicos especializados ou cientistas. “O lançamento do MicroNIR 1700 em 2013
pela empresa norte-americana JDSU abriu novas oportunidades para que a
espectroscopia NIR possa, um dia, ser acessível ao consumidor”, diz Pasquini.
Interação
quantitativa
Pasquini explica que a espectrometria
de infravermelho próximo baseia-se no estudo da interação da radiação
eletromagnética com a matéria e já está consolidada na literatura científica
para diversas aplicações, entre elas controle de qualidade em alimentos como
leite e derivados, óleos, bebidas, frutas e frutos do mar, além da análise de
produtos têxteis, polímeros e fármacos, entre outras. A técnica consiste na
medição da intensidade de absorção da radiação na faixa do infravermelho próximo
em função do comprimento de onda produzida por determinado objeto ou amostra.
A
espectrofotometria NIR é usada na medição quantitativa de grupos funcionais
orgânicos, principalmente O-H (ligação oxigênio e hidrogênio), N-H (ligação
nitrogênio e hidrogênio) e C=O (dupla ligação entre carbono e oxigênio). Cada
objeto ou amostra possui características químicas únicas – muitas vezes
resultantes de composições complexas como a impressão digital humana –, que
podem ser identificadas por um espectrofotômetro. “Os átomos das moléculas que
formam qualquer amostra constituída por substâncias orgânicas não se encontram
estáticos, parados, mas vibrando. Quando incidimos uma radiação adequada, que
possa ser absorvida por certa ligação química, por exemplo, essa radiação é
atenuada, transferindo parte da sua energia para a vibração dos átomos ligados,
o que é registrado pelos equipamentos de espectrofotometria NIR, explica
Pasquini.
“As
interações com as substâncias químicas presentes são características da amostra
e sua medida gera informações únicas que podem ser consideradas como sua
impressão digital”, explica Pasquini. Uma das características da técnica está
no fato de ela não ser destrutiva e permitir o acesso a informações nas
amostras intactas.
“O novo instrumento usado em nosso trabalho custa
US$ 5,5 mil, valor que é cerca de 15 vezes mais barato do que os
espectrofotômetros convencionais. Além disso, é portátil, robusto, fácil de
usar e apresenta rapidamente uma resposta. Com todas essas características, ele
pode ser visto como uma solução à procura de um problema – mais ou menos como a
tecnologia dos lasers na década de 1960”,
destaca Pasquini.
O pesquisador também faz parte do Grupo de
Instrumentação e Automação em Química Analítica (GIA) do Instituto de Química
da Unicamp, constituído ainda pelos pesquisadores Jarbas José Rodrigues
Rowedder e Ivo Milton Raimundo Júnior, do Inctaa. O GIA trabalha com
espectroscopia desde 1995. É um dos centros brasileiros pioneiros na pesquisa e
no desenvolvimento dessa tecnologia e já criou vários instrumentos que
resultaram em quatro pedidos de patente. Um deles serve ao controle da
qualidade de combustíveis para determinação do teor de álcool em gasolina e a
presença de água no etanol. O aparelho é comercializado pela Tech Chrom,
empresa de Campinas, com a finalidade de inibir os tipos mais comuns de fraude
nesses produtos (ver Pesquisa FAPESP nº 209).
Resultados no visor
Aluno de mestrado do Instituto de Química da Unicamp e membro da equipe de Pasquini, Matheus Angeluzzi Jardim esclarece que a efetividade do MicroNIR 1700, que mede 4,5 centímetros de comprimento por 4,2 de largura e pesa 150 gramas, depende da existência de um vasto banco de dados formado pela impressão digital ou espectro de absorção de um grande número de amostras. Dessa forma, ao realizar a leitura de determinado objeto, o equipamento seria capaz de fazer sua identificação comparando o espectro de absorção captado com aqueles previamente armazenados no banco de dados. Por enquanto, o aparelho apenas mostra o resultado na forma de gráficos na tela de um computador. No futuro os resultados poderão ser mostrados, de forma mais simples, num pequeno visor no próprio aparelho.
Aluno de mestrado do Instituto de Química da Unicamp e membro da equipe de Pasquini, Matheus Angeluzzi Jardim esclarece que a efetividade do MicroNIR 1700, que mede 4,5 centímetros de comprimento por 4,2 de largura e pesa 150 gramas, depende da existência de um vasto banco de dados formado pela impressão digital ou espectro de absorção de um grande número de amostras. Dessa forma, ao realizar a leitura de determinado objeto, o equipamento seria capaz de fazer sua identificação comparando o espectro de absorção captado com aqueles previamente armazenados no banco de dados. Por enquanto, o aparelho apenas mostra o resultado na forma de gráficos na tela de um computador. No futuro os resultados poderão ser mostrados, de forma mais simples, num pequeno visor no próprio aparelho.
“Vamos
supor que queiramos analisar produtos têxteis a fim de criar um modelo que
consiga identificar se determinado vestido é, de fato, de seda, tal qual consta
em sua etiqueta. O primeiro passo seria dispor de algumas dezenas de amostras
de tecidos de seda, com diferentes cores e padrões e, assim, obter o espectro
de absorção delas”, diz Jardim. Depois, ao empregar quimiometria – ciência que
recorre à aplicação de ferramentas estatísticas e matemáticas para obter
informação de vastos conjuntos de dados –, os pesquisadores geram um modelo de
classificação capaz de identificar, estatisticamente, se a amostra da qual se
está obtendo o espectro é mesmo seda. Por fim, com o modelo pronto, pode-se
usar um espectrofotômetro como o MicroNIR 1700 em qualquer peça de vestuário e
saber se ela é ou não de seda.
Por enquanto, a biblioteca de modelos está sendo
montada no Brasil apenas pelo grupo de Pasquini. “Já temos uma biblioteca
suficiente para criar modelos para determinação de açúcar em frutas, como laranja, kiwi e maçãs, assim como para identificação de
tecidos – algodão, poliéster, couro, seda e outros”, diz Jardim. Um dos
objetivos de seu trabalho de mestrado é criar um modelo para determinação da
escala Brix – medida que aponta a quantidade de sólidos dissolvidos numa fruta,
o que reflete diretamente a quantidade de açúcar presente nela.
O espectrofotômetro, portanto, poderia ajudar o
consumidor a escolher no supermercado frutas mais ou menos doces, de acordo com
sua preferência. “A iniciativa de construir bases de dados e os modelos, como o
que estamos fazendo, está na pauta de vários grupos de pesquisa ao redor do
mundo. Porém esse trabalho ainda é desenvolvido de forma isolada. No futuro, a
colaboração entre grupos brasileiros e de outros países poderá ser aproveitada
para tornar as bases de dados mais universais. Mas esse é um trabalho que
levará alguns anos. No sistema que se pretende construir os aparelhos terão
sempre seus modelos atualizados automaticamente via web e comunicação sem fio”, conta Pasquini.
O aparelho também poderia ser usado para avaliar se
determinado móvel foi feito com a madeira informada pelo fabricante, se um
remédio tem mesmo a composição química anunciada pelo fabricante e assim por
diante. “O MicroNIR poderia ser muito útil para verificar a autenticidade de
mercadorias, coibindo a venda de produtos falsificados ou piratas, um problema
que movimenta bilhões de dólares por ano em todo o mundo. Dados na literatura
científica também revelam que a tecnologia tem potencial para ser empregada na
identificação de cédulas falsas”, diz o mestrando da Unicamp. “Como a portabilidade
é uma tendência crescente em nossa sociedade, acredito que dentro de algum
tempo possa ser possível a criação de um aparelho NIR acoplado a umsmartphone. Quando isso acontecer, a tecnologia do
infravermelho próximo deverá ganhar força e será utilizada por qualquer
pessoa.”
Projeto
Instituto Nacional de Ciências e Tecnologias Analíticas Avançadas – Inctaa (nº 2008/57808-1); Modalidade Projeto Temático – INCT; Pesquisador responsável Celio Pasquini (Unicamp); Investimento R$ 375.421,77 e US$ 531.453,87 (FAPESP).
Instituto Nacional de Ciências e Tecnologias Analíticas Avançadas – Inctaa (nº 2008/57808-1); Modalidade Projeto Temático – INCT; Pesquisador responsável Celio Pasquini (Unicamp); Investimento R$ 375.421,77 e US$ 531.453,87 (FAPESP).
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