Sunday, April 26, 2015

Novos desafios ao conhecimento e compreensão humanos

Da arqueologia à robótica

Programa que busca produzir conhecimento novo a partir de gigantescos volumes de dados seleciona seus primeiros projetos
FABRÍCIO MARQUES | ED. 227 | JANEIRO 2015



A Revolução das grandes processadoras e o desenvolvimento da codificação levam a humanidade a ter uma base analitica de dados para prever o futuro. Acreditamos na melhoria do mundo com as novas possibilidades que a computação oferece.



Quatro projetos vinculados a áreas tão diversas como robótica, arqueologia digital, observação da Terra e agrometeorologia foram selecionados na primeira chamada do Programa FAPESP de Pesquisa em eScience. A iniciativa, lançada em 2013, busca encorajar abordagens novas, ousadas e não convencionais para pesquisa de ponta, sempre envolvendo o trabalho multidisciplinar de cientistas da computação e pesquisadores de outras áreas. Uma das propostas contempladas busca municiar o Brasil com um sistema de informação sobre o uso da terra. Liderado por Gilberto Câmara Neto, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o projeto temático e-Sensing: Análise de grandes volumes de dados de observação da Terra para informação de mudanças de uso e cobertura da terra vai articular equipes do Inpe que trabalham com sensoriamento remoto, agricultura, monitoramento de florestas, bancos de dados e geoinformática.
  Os satélites de observação da Terra são a única fonte de dados que fornece um conjunto contínuo e consistente de informações sobre nosso planeta. Os dados desses satélites estão disponíveis, sem custos, em repositórios de agências espaciais e centros de pesquisa, como o Inpe e a Nasa. Embora os satélites produzam grandes quantidades de dados, só uma pequena parte é efetivamente usada para a pesquisa e aplicações operacionais. A grande maioria dos métodos usados pelos cientistas de observação da Terra é incapaz de lidar com grandes conjuntos de dados. Para enfrentar esse desafio, o projeto e-Sensing vai desenvolver um tipo novo de plataforma de conhecimento para tratar da observação da Terra.

“É um projeto interdisciplinar, que combina competência em computação e em várias outras áreas”, diz Câmara, coordenador da equipe de pesquisa e desenvolvimento em geoinformática e modelagem ambiental do Inpe. “Queremos desenvolver métodos que permitam explorar quantidades massivas de dados para detecção de desmatamento, de mudança do uso da terra, de expansão da agricultura”, afirma. Ele observa que o Brasil é carente de informações sobre uso da terra. “Temos bons sistemas de monitoramento do desmatamento na Amazônia e de mapeamento da área cultivada por cana-de-açúcar no Centro-Sul. No entanto, o Brasil não tem hoje a capacidade de produzir informações atualizadas sobre o uso da terra no nosso território. Faltam-nos informações sobre biomas importantes como cerrado, caatinga e pampa. Muita coisa só se torna conhecida pelo Censo Agropecuário, que acontece a cada 10 anos”, afirma.
As metodologias poderão ter aplicações no gerenciamento de outros dados científicos. “O desafio de organizar e extrair informações de uma massa de dados gigantesca e gerada numa velocidade monstruosa é comum a vários campos do conhecimento, como a astronomia, a genética e a bioinformática”, diz Câmara. No caso das imagens de satélites, a mudança é extraordinária. “Há 10 anos, o Inpe vendia uma imagem de satélite a R$ 2 mil. Hoje, fornece milhares de imagens gratuitamente. O desafio é levar o cientista até os arquivos em vez de levar os arquivos até o cientista. E criar um ambiente virtual em que seja possível organizar e analisar essas informações.”
© WILSON DIAS / AGÊNCIA BRASIL
… e mudanças no uso da terra na Amazônia: desafio de trabalhar com quantidades massivas de informação
O termo eScience resume o desafio de pesquisa conjunta em computação e outras áreas do conhecimento, para organizar, classificar, visualizar e facilitar o acesso ao gigantesco volume de dados constantemente gerados em todos os campos de pesquisa, a fim de obter novos conhecimentos e fazer análises abrangentes e originais. Por isso, eScience muitas vezes é considerado sinônimo de data intensive science, ou seja, a ciência desenvolvida a partir da exploração de grande volume de dados. O programa lançado pela FAPESP busca integrar grupos envolvidos com pesquisas em computação com cientistas de outros grupos, das ciências agrárias às sociais. Os aspectos computacionais se distribuem em um amplo espectro, desde interfaces e algoritmos até modelagem computacional e infraestrutura de dados. “Ficamos satisfeitos com o resultado da primeira chamada por causa da abrangência e da qualidade dos projetos, tanto dos que foram submetidos como dos aceitos”, afirma Claudia Bauzer Medeiros, professora do Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), coordenadora-adjunta de programas especiais da FAPESP e coordenadora do programa eScience.

Vinte e cinco propostas foram inscritas na chamada, número expressivo para um programa recém-lançado. O processo de seleção foi complexo. Cada projeto foi avaliado por pelo menos dois especialistas – um para analisar o caráter inovador da proposta no campo da ciência da computação e o segundo para fazer a mesma análise, mas em relação à contribuição na outra área do conhecimento envolvida. Só com uma dupla recomendação é que os projetos foram aprovados. “O que ocorreu com alguma frequência é que o projeto era recomendado por um dos assessores, mas não pelo outro”, diz Claudia Medeiros. Em algumas situações, em projetos envolvendo várias áreas do conhecimento, foram necessárias consultas a até quatro assessores para assegurar uma avaliação equilibrada. “Mobilizamos assessores da Europa, da América do Norte, da Ásia e até da Austrália.” Uma novidade do edital foi a exigência de apresentação de um Data Management Plan, que descreve como cada projeto pretende gerenciar, proteger, preservar e tornar públicos os dados gerados. “O objetivo é permitir a reutilização dos dados por outros pesquisadores, além de garantir que os resultados de um trabalho científico baseado naqueles dados sejam reproduzidos de modo transparente por outros interessados”, diz Claudia Medeiros.
© ORAN VIRIYINCY / WIKIMEDIA
Câmeras para orientar veículos autônomos…
Realidade virtual
Outra proposta contemplada busca combinar arqueologia e computação. Liderada por Marcelo Knörich Zuffo, professor e pesquisador do Centro Interdisciplinar em Tecnologias Interativas da Escola Politécnica da USP, o projeto CiberArqueologia – Realidade virtual e eScience ao encontro da arqueologia envolve parceiros brasileiros e internacionais das áreas de engenharia, computação e arqueologia e se propõe a aplicar técnicas digitais para exploração de escavações arqueológicas, utilizando computação em nuvem para armazenar grandes volumes de dados. A principal meta é escanear sítios arqueológicos, transformando-os em imagens tridimensionais por meio de câmeras de alta resolução, scanner 3D e até um veículo aéreo não tripulado (vant), conhecido como drone. “A escavação de um sítio arqueológico é essencialmente uma análise destrutível. Quando escavamos, ele é destruído. Escanear progressivamente a escavação gera um grande volume de dados, da ordem de terabytes por sítio. Nosso objetivo é criar ferramentas interativas de realidade virtual que permitam estudar os sítios em ambientes imersivos e analisar aspectos que nem sempre são perceptíveis no estudo presencial”, diz Zuffo. A iniciativa prevê uma parceria com dois pesquisadores da Universidade Duke, Maurizio Forte e Regis Kopper, responsáveis pelo escaneamento do sítio Çatalhöyük, na Turquia. Também envolve pesquisadores da Escola Politécnica e do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, como Maria Isabel D’Agostino Fleming e Astolfo Araújo. “Há desafios importantes. Não é trivial fazer o processamento tridimensional utilizando a computação em nuvem”, diz Zuffo.
Validação
Já no projeto Sistema de referência de atitude, orientação e posição baseado em filtro de Kalman robusto implementado em FPGA, a ambição é criar sensores de baixo custo que ajudem a monitorar o posicionamento de veículos em movimento. O projeto prevê a especificação de novos algoritmos, com base numa técnica matemática criada em 1960 pelo húngaro Rudolf Kalman. A validação dos sensores será feita num caminhão que se movimente de forma autônoma, sem motorista. A expectativa é de que a pesquisa gere uma patente. “Dispomos de técnicas chamadas filtros robustos para melhorar o desempenho desses sensores. Conseguimos baratear os custos dessas unidades com algoritmos criados para esse fim”, diz Marco Henrique Terra, professor da Escola de Engenharia de São Carlos da USP, líder do projeto. A criação dos sensores envolve um desafio no gerenciamento de dados porque o monitoramento de um caminhão em movimento exige administrar uma grande quantidade de informações. “É preciso captar a posição do veículo, ter em conta a distância que ele deve manter dos obstáculos fixos ou móveis ao seu redor, definir para onde ele vai e processar tudo isso para tomar uma decisão apropriada. A quantidade de dados envolvidos para reproduzir uma situação real, em que o veículo saia de um lugar e vá para outro, é de grande complexidade”, explica Terra. Cinco professores da USP e um da Universidade Federal de São Carlos estão envolvidos na iniciativa. Parte deles participou de um projeto que criou um protótipo de carro robótico autônomo (ver Pesquisa FAPESP nº 213). Os sensores para caminhões são mais complexos.
© NEIDE MAKIKO FURUKAWA / EMBRAPA

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