Na
origem das explosões solares
RICARDO ZORZETTO | ED. 237 | NOVEMBRO 2015
Explosão registrada
pelo satélite Solar Dynamics Observatory, da Nasa: janela para investigar a
geração de energia no plasma confinado em regiões próximas às manchas solares
O físico brasileiro
Pierre Kaufmann anda apreensivo com um experimento que deve começar nas
próximas semanas. A agência espacial norte-americana (Nasa) planeja lançar em
1º de dezembro, a partir da base dos Estados Unidos na Antártida, um balão que
subirá a 40 quilômetros acima do nível do mar transportando dois equipamentos
para estudar o Sol. Um desses aparelhos é o Solar-T, um telescópio fotométrico
duplo projetado e construído pela equipe de Kaufmann para analisar uma faixa
especial da radiação solar (ver Pesquisa
FAPESP nº 219). Se tudo correr como o planejado, o
Solar-T, que integrará um experimento da Universidade da Califórnia em
Berkeley, deve passar de duas a quatro semanas coletando ininterruptamente a
luz emitida pelo Sol, que nessa época do ano nunca se põe no polo Sul.
O motivo da
inquietação do físico é que a Nasa pretende lançar o Solar-T desligado e só
ativá-lo quando o balão atingir a altitude máxima. “Essa estratégia aumenta o
risco de falha, que é inerente a qualquer missão em balão estratosférico”, diz
Kaufmann, que acompanhou os testes do telescópio nos Estados Unidos em
condições semelhantes às que enfrentará nos céus da Antártida. “Em todas as
ocasiões, o equipamento se saiu muito bem, mas as avaliações foram feitas com
ele ligado”, conta o físico, coordenador do Centro de Astronomia e Astrofísica
(Craam) da Universidade Presbiteriana Mackenzie. “O problema de lançá-lo
inativo”, explica, “é que, se algo não funcionar após a subida, não é possível
consertar”.
Enquanto sobrevoar
o continente gelado, o Solar-T deverá captar a energia que emana das explosões
solares em duas frequências específicas: 3 e 7 terahertz (THz), que
correspondem a uma fração da radiação infravermelha distante. Situada no
espectro eletromagnético entre a luz visível e as ondas de rádio, essa faixa de
radiação permite observar mais facilmente a ocorrência de explosões associadas
aos campos magnéticos das regiões ativas do Sol, que muitas vezes lançam em
direção à Terra jatos de partículas de carga negativa (elétrons) aceleradas a
grandes velocidades. Nas proximidades do planeta, essas partículas atrapalham o
funcionamento de satélites de telecomunicações e de GPS, produzem as auroras
austrais e boreais.
A radiação nessa
faixa do infravermelho também torna possível investigar fenômenos que transferem
energia da superfície do Sol, a fotosfera, onde a temperatura não passa dos
5.700 graus, para as camadas superiores e mais quentes: a cromosfera, onde as
temperaturas alcançam 20 mil graus, e a coroa, que está a mais de 1 milhão de
graus.
Apesar de abrir
essas janelas para observar o Sol, a radiação em terahertz, que já foi chamada
de raios T, sempre foi pouco utilizada. O motivo era que havia – e ainda há –
alguns desafios para detectá-la. O primeiro é que a atmosfera terrestre impede
que a maior parte dessa radiação chegue aos telescópios no solo. Além disso,
não é qualquer telescópio que enxerga a radiação em terahertz. “Para detectar
ou produzir uma imagem do Sol nessas frequências é preciso usar um telescópio
feito apenas de espelhos, porque as lentes de vidro ou de materiais ópticos
comuns absorvem essa frequência de radiação”, explica Matthew Penn, astrônomo
associado do Observatório Solar Nacional (NSO) e do McMath-Pierce Solar
Facility, ambos no Arizona, Estados Unidos.
Outro complicador é
que os detectores não podem ser feitos de silício, transparente a essas
frequências de energia, e têm de estar refrigerados a temperaturas muito
baixas. “Antes de Pierre Kauf-mann começar a trabalhar nessa área, havia pouca
observação do Sol nessas frequências porque era difícil explorar a tecnologia”,
conta o astrônomo Stephen White, do Laboratório de Pesquisa da Força Aérea, no
Novo México, também nos Estados Unidos.
Kaufmann espera que
os dados do Solar-T contribuam para alimentar um gráfico que vem ajudando a
construir há cerca de 30 anos. Essa curva representa o perfil da energia
emitida na origem das explosões do Sol, em geral observadas na região das
manchas que de tempos em tempos tingem a superfície da estrela. É uma espécie
de assinatura energética dessas explosões, que, na opinião de físicos,
astrônomos e astrofísicos, pode ajudar a desvendar os fenômenos que as
originam.
Rumo à
estratosfera: o telescópio Solar-T, que será lançado em breve na Antártida, a
bordo de um balão, para observar as explosões solares nas faixas de 3 e 7 THz
O gráfico da
quantidade de radiação lançada ao espaço em cada frequência começou a ser
delineado nos anos 1960, a partir de observações das explosões solares. Por
muito tempo, ele registrava apenas a radiação emitida na faixa das ondas de
rádio – com frequência entre 30 megahertz (MHz) e 30 gigahertz (GHz) –, as
menos energéticas do espectro eletromagnético na faixa de rádio. Em 1972, John
Castelli e Jules Aarons, do Laboratório de Pesquisa Cambridge da Força Aérea
(AFCRL) dos Estados Unidos, produziram um perfil energético das explosões
solares reunindo dados de 80 eventos. O gráfico tinha a forma aproximada da
letra U e indicava que a maior parte da energia liberada nessas explosões
estava em duas faixas das ondas de rádio de energia e frequência baixas: um bom
tanto tinha frequência inferior a 1 GHz, enquanto o outro tanto ficava na faixa
entre 3 GHz e 30 GHz.
Um pouco antes, em
1968, os pesquisadores C. D. Clark e W. M. Park haviam obtido indícios de que
uma radiação de frequência maior e mais energética pudesse ser produzida nas
erupções solares. Usando o telescópio do Queen Mary College, da Universidade de
Londres, eles detectaram pulsos de energia a 250 GHz, frequência cerca de 30
vezes maior que as correspondentes a micro-ondas e inesperadamente muito
intensas. Talvez porque fossem esparsos, esses e outros dados na região das
micro-ondas não ganharam muita atenção. “Apesar de várias sugestões, por muito
tempo os pesquisadores dessa área ignoraram esses indicativos”, conta Kaufmann.
A suspeita de que
as explosões solares pudessem liberar muito mais energia só ressurgiram duas
décadas mais tarde, em parte consequência do trabalho de Kaufmann. Com o
radiotelescópio de Itapetinga, instalado em Atibaia, interior de São Paulo, ele
observou uma explosão solar ocorrida em 21 de maio de 1984. Os registros
indicaram que a maior parte da energia era emitida em ondas milimétricas, na
frequência de 90 GHz, na forma de pulsos de centésimos de segundo de duração.
Era um novo sinal de que havia mais a ser descoberto sobre as explosões. “Na
época, percebemos que existia um componente das explosões que alcança
frequências mais altas”, conta o físico.
Em parceria com
pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ele desenvolveu
equipamentos que foram instalados em diferentes observatórios para registrar a
energia em frequências mais elevadas. No início da década passada, Kaufmann e
sua equipe monitoraram explosões solares com o Telescópio Solar de Ondas
Submilimétricas (SST), instalado no Complexo Astronômico El Leoncido, nos Andes
argentinos, e registraram um fluxo de radiação que voltava a crescer em 0,2 e
em 0,4 THz. Esses resultados levaram Kaufmann e o pesquisador Rogério Marcon,
do Instituto de Física da Unicamp, a desenvolver equipamentos capazes de
detectar frequências ainda mais altas, na região dos 30 THz.
Com um telescópio
de 30 THz instalado em El Leoncito e outro na cobertura de um dos prédios do
Mackenzie, no centro de São Paulo, o grupo do físico brasileiro, que envolve
pesquisadores da Argentina e dos Estados Unidos, já registrou três explosões
solares – uma em 13 de março de 2012, outra em 1o de agosto de
2014 e uma terceira em 27 de outubro de 2014 – que liberaram grande quantidade
de energia nessa faixa do espectro eletromagnético. Uma análise englobando
diferentes regiões do espectro revelou que, na realidade, esses eventos
produzem de 10 a 100 vezes mais energia no infravermelho distante (terahertz)
do que nas micro-ondas (gigahertz), segundo artigo publicado em junho deste ano
no Journal of Geophysical Research – Space Physics.
Brilho fugaz:
frequentes nas proximidades das manchas solares (regiões ativas do Sol), as
explosões liberam energia em diferentes faixas do espectro eletromagnético
Além das observações do grupo de Kaufmann, Matthew Penn e sua equipe
registraram emissões em 30 e 60 THz. Ao completar o perfil energético das
explosões com os novos dados, o gráfico assume a forma da letra W – e não mais
de U, como haviam indicado Castelli e Aarons nos anos 1970. Essa assinatura
sugere que as explosões coincidem com fluxos energéticos intensos em duas
faixas de radiação: uma nas ondas de rádio, menos energética, e outra no
submilimétrico e no infravermelho, mais energética e com limite ainda
desconhecido.
Uma possível fonte
dessa energia seriam elétrons acelerados a velocidades próximas à da luz em
regiões densas da superfície solar que, ao serem freados por campos magnéticos
intensos, emitiriam radiação na faixa do infravermelho. Outra é que essas
partículas aceleradas aqueceriam mais o plasma da cromosfera, que, em
consequência, responderia liberando radiação. “Por enquanto, ninguém consegue
explicar esse espectro duplo”, diz Kaufmann, que, além de financiamento da
FAPESP, também recebe apoio do Ministério da Ciência e Tecnologia, do Fundo Mackenzie
de Pesquisa e do Escritório de Ciência da Força Aérea norte-americana.
“Ainda não temos
exemplos suficientes dos eventos observados em terahertz para explicar como
pode haver uma emissão em uma gama tão ampla”, diz Stephen White, do
Laboratório de Pesquisa da Força Aérea norte-americana e colaborador de
Kaufmann. “Imaginamos que isso possa revelar como o Sol acelera partículas a
altas energias.”
Enquanto não se
encontram as respostas, Kaufmann tenta completar a curva com mais informações
em mais frequências, na esperança de que os dados ajudem a esclarecer os
fenômenos geradores das explosões. Recentemente ele e Marcon concluíram um novo
telescópio, o Hats (High Altitude Terahertz Solar Telescope), que vai
operar nas faixas de 0,85 e 1,4 THz em um observatório a mais de 5 mil metros
de altitude em Famatina, nos Andes argentinos. Também já está pronta a versão
mais moderna dos detectores que devem aprimorar a capacidade de observação dos
telescópios em El Leoncito. Antes disso, Kaufmann aguarda ansioso pela subida
do Solar-T. “Estamos por conta da Nasa”, diz. “Mas o Sol também tem de
colaborar e produzir explosões nesse período.”
Projeto
Diagnóstico de explosões solares em inédito intervalo espectral, de micro-ondas até frequências THz: desafios para interpretação (FLAT) (nº 2013/24155-3); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Pierre Kaufmann (UPM);Investimento R$ 1.836.374,29. - Artigo científico - KAUFMANN, P. et al. Bright 30 THz impulsive solar bursts. Journal of Geophysical Research – Space Physics. 30 jun. 2015.
Diagnóstico de explosões solares em inédito intervalo espectral, de micro-ondas até frequências THz: desafios para interpretação (FLAT) (nº 2013/24155-3); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Pierre Kaufmann (UPM);Investimento R$ 1.836.374,29. - Artigo científico - KAUFMANN, P. et al. Bright 30 THz impulsive solar bursts. Journal of Geophysical Research – Space Physics. 30 jun. 2015.
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