Negócios em
alta velocidade
MARCOS DE OLIVEIRA | ED. 233 | JULHO 2015
Universidade brasileira promovendo inserção de ideias e ações no mercado, antes visto apenas em países desenvolvidos é um alento. Estamos realmente avançando rumo a civilização, com as escolas entendendo que formam cidadãos para a inovação e o trabalho?
A Universidade de São Paulo (USP)
sediou em junho o primeiro programa de aceleração de startups realizado
dentro da instituição. Essa modalidade de incentivo ao empreendedorismo visa
desenvolver rapidamente ideias que podem gerar negócios e formatar empresas
inovadoras. Essas empresas iniciantes, em sua maioria, não estão estruturadas,
conhecem pouco o mercado e têm dificuldades em comercializar a tecnologia
desenvolvida. A aceleração de startups surgiu há 10 anos nos
Estados Unidos e, no Brasil, existe desde 2011. São vários os tipos de
aceleradoras, muitas são empresas e outras mantidas por organizações maiores,
como a Microsoft, por exemplo, universidades ou organizações não governamentais
(ONGs). A modalidade é diferente do trabalho realizado por incubadoras de
empresas que normalmente são organizações constituídas por universidades,
parques tecnológicos ou institutos de pesquisa, onde as empresas novatas se
desenvolvem por dois a três anos, período em que recebem apoio institucional em
consultorias de tecnologia, administração e de formatação comercial da empresa.
Deixam a incubadora quando conseguem atingir o mercado e ganham força
financeira ou perecem se não alcançam esse objetivo.
Os programas de aceleração podem
durar de um fim de semana até seis meses. Na USP, durou cinco semanas e foi
realizado pela aceleradora Startup Farm em parceria com o Centro de Competência
em Software Livre (CCSL) do Instituto de Matemática e Estatística (IME) e apoio
do Núcleo de Empreendedorismo (NEU), ambos da universidade. “A aceleração é um
programa educacional com treinamento intensivo que envolve aulas, palestras e
mentorias durante certo período de tempo, de manhã, tarde e noite. Uma vez por
semana os participantes fazem apresentações de cinco minutos para uma plateia
formada por mentores e profissionais sobre o estado da empresa naquele momento
e recebem críticas”, explica o professor Fabio Kon, do CCSL, que trouxe para a
universidade o programa de aceleração. De acordo com o estágio da empresa, ela
tem à disposição mentorias especializadas formadas por vários profissionais que
dão o apoio necessário ao rumo da startup. Entre os 78 mentores,
que ofereceram 519 sessões de consultoria, estão empresários que já passaram
por essa fase, profissionais da indústria, consultores e, no caso da USP, professores
da universidade. As mentorias, na maioria das aceleradoras, são feitas por
voluntários.
“Estudei o ambiente empreendedor do
Vale do Silício, nos Estados Unidos, e estive realizando pesquisas sobre o
ecossistema de inovação de Israel. Pude observar que as incubadoras estão
cedendo espaço para as aceleradoras que têm gerado excelentes resultados num
período de tempo mais curto. No ano passado participei como mentor da Startup
Farm em Belo Horizonte e, na ocasião, propus a parceria com o IME de modo a
contribuir para o ecossistema de inovação paulista e contagiar a comunidade da
USP com o empreendedorismo”, diz Fabio. “Há alguns anos observo que os alunos
que saem do IME são excelentes desenvolvedores de software, mas o
número de empreendedores ainda é muito baixo e, daqueles que tentaram
empreender, poucos tiveram sucesso; a educação empreendedora pode ajudar a
mudar esse cenário.” Para Fabio, o empreendedorismo brasileiro é forte, mas não
desenvolve novas tecnologias, prefere copiar algo já existente no exterior.
“Uma parcela muito pequena de nossos empreendedores busca criar tecnologias
inovadoras. É preciso investir em pesquisa nas startups e nas
empresas, transformar ciência em negócios inovadores”, diz Fabio.
Por essa razão, o programa de aceleração
da USP teve o nome oficial de “Disrupt: Transformando ciência em negócios
tecnológicos”. A chamada para o evento não se restringiu à USP e foi feita
principalmente por redes sociais tendo como alvo as startups ou
mesmo pessoas e grupos com boas ideias e intenção de montar uma empresa. Foram
117 projetos, dos quais foram escolhidos 15, 8 com alguma relação com a
universidade, de alunos e ex-alunos e de empresas instaladas no Centro de
Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec), incubadora localizada dentro
do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) na Cidade
Universitária e que tem a USP no Conselho de Gestão Estratégica. “Foram 15
selecionadas e 10 finalistas porque os projetos se desenvolveram muito bem e
chegaram ao ponto de ser apresentados publicamente. Em outras edições do
programa – este da USP é o décimo segundo – foram menos empresas finalistas,
entre cinco e oito. Isso demonstra o amadurecimento do nosso mercado que tem
gerado negócios mais bem estruturados”, diz Alan Leite, um dos sócios da
Startup Farm.
“Todas passaram por um
desenvolvimento rápido para deixar claro para elas quem são os clientes, quanto
vai custar o produto, por quanto vão vender e como deverá ser o impacto no
mercado”, diz Alan. Entre as 15, três invalidaram seus negócios durante o
programa porque perceberam que não foi possível construir um modelo de negócios
escalável. De acordo com o empresário, muitas vezes, dentro da aceleração, é
comum uma empresa mudar de ideia, invalidar todo o negócio ou inverter estratégias.
A Startup Farm tem em seu portfólio a empresa Easy Taxi, que criou um
aplicativo para chamar táxis, hoje presente em 40 países, com valor de mercado
aproximado de US$ 1 bilhão. A Easy participou do segundo grupo de aceleração
realizado pela Startup Farm em 2011, no Rio de Janeiro. A aceleradora não faz
investimentos em empresas como as apresentadas na USP, ainda em estágio muito
inicial. “Vamos investir nas que tiverem melhor desempenho no intervalo de dois
anos”, diz Alan.
No Brasil já existem 50 empresas
especializadas em aceleração que fazem programas semelhantes. Uma delas é a
Aceleratech, também de São Paulo, em que as empresas escolhidas para a
aceleração passam por um programa de seis meses, podem receber investimento de
até R$ 150 mil e ter como sócios os proprietários da Aceleratech, Pedro
Waengertner e Mike Ajnsztajn, brasileiro que vive nos Estados Unidos. Desde
2012, fizeram aceleração em 47 empresas, sendo que três foram compradas por
outros grupos empresariais, momento em que a aceleradora obtém lucro.
Entre seus parceiros está a Escola
Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), de São Paulo, que colabora nas
mentorias com professores. “Ajudamos a empresa a ter acesso ao mercado,
executar o projeto e descobrir como vender seus produtos”, diz Pedro. A Aceleratech
tem uma parceria também com o Cietec. “Temos ali várias empresas que vieram da
incubadora. Algumas nos procuram e, para nós, o fato de elas terem passado pela
incubadora é um fator positivo”, diz Pedro. “A ideia inicial é que elas passem
pela aceleração em nosso espaço próprio, na capital paulista, em regime
de co-working, com as empresas trabalhando lado a lado, e depois se
tornem independentes, mas já tivemos casos em que a empresa quer voltar para o
Cietec porque lá ela tem um espaço dela e um networking positivo.”
Fim do
programa de aceleração da Startup Farm em parceria com a
USP: conhecimento sobre empreendedorismo e novos negócios
O pitch do demoday
A estrutura do programa de aceleração, e prática comum em quase todas as aceleradoras, é o demoday no último dia. Trata-se do momento onde cada empreendedor se apresenta ao mercado e fala sobre os rumos que a startup pretende tomar e qual o modelo de negócio. Isso é feito por meio de uma apresentação com tempo determinado chamado de pitch, em que se faz a exposição do negócio. Na plateia, investidores tanto de empresas de capital de risco, anjos (investidores individuais) e representantes de grandes empresas, no caso, companhias como IBM e Telefônica, analisam as startups. Depois, se houver interesse, investem na empresa ou ainda podem incorporá-la. No demoday desta edição um júri formado por representantes da indústria, de investidores e da USP elegeram no fim das apresentações as três melhores empresas. A primeira foi a Bright Photomedicine, há um ano no Cietec.
A empresa desenvolve um equipamento
de pequeno porte com luz de LED contra a dor. Já existem equipamentos mais
caros e não portáteis que são usados nesse tipo de terapia. A startup idealizou
e depositou patente de um equipamento para fototerapia que é flexível, atado ao
corpo do paciente, que pretende ter um preço baixo. “Estudo esse assunto há
mais de seis anos e fiz doutorado com o tema na USP e na Universidade Harvard,
nos Estados Unidos. No doutorado, desenvolvi uma técnica nova já testada em
camundongos com sucesso na atenuação da dor”, diz o físico Marcelo Sousa,
graduado na Universidade Federal do Ceará (UFC). “Estamos preparando o primeiro
protótipo, que está sendo viabilizado com um projeto Pipe [Pesquisa Inovativa
em Pequenas Empresas] da FAPESP, que nos permite comprar material, componentes,
equipamentos e me garantiu uma bolsa de pesquisador”, diz Marcelo, que procura
estabelecer parcerias com hospitais como Sírio Libanês e Einstein para realizar
futuramente os ensaios clínicos. Em relação ao programa de aceleração, ele diz
que ajudou na definição do modelo de negócio da empresa. “Durante o programa,
entrei em contato com possíveis clientes, que são clínicas de fisioterapia, e
tive uma noção do mercado, tanto que chegamos à conclusão de que também
poderemos alugar os aparelhos em vez de vendê-los.” Em relação às mentorias,
Marcelo diz que recebeu cerca de 40 sessões de alto nível.
Outro participante que usufruiu do
programa de aceleração foi Rafael Libardi, da empresa UkkoBox. Formado em
Sistemas da Informação no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação
(ICMC) da USP em São Carlos, Rafael idealizou um serviço de proteção de
arquivos em nuvem computacional. Os arquivos são divididos em diversos pedaços,
criptografados e depois espalhados em provedores distribuídos em países
diferentes. No sistema desenvolvido por Rafael, que tem mais dois sócios, mesmo
sem acesso a alguns dos pedaços do arquivo, é possível recuperar o todo.
“Existe uma grande preocupação das empresas com perda de dados, vazamentos de
informações, espionagem, e nós pretendemos atuar para impedir tudo isso”, diz
Rafael.
“No evento
conseguimos ter uma ideia melhor do que pode ser a empresa porque nós
entendemos de tecnologia e não de negócios, e os mentores apontaram várias
falhas no nosso plano”, conta Rafael. “Por exemplo, a ideia inicial era vender
nossosoftware. O problema é que os clientes não querem administrar e
pagar vários provedores de nuvem. Mudamos o nosso modelo de negócio para que o
cliente nos pague para acessar o sistema e nós gerenciamos os provedores”, diz
ele, que finaliza em julho sua dissertação de mestrado na USP sobre o mesmo
tema.
Para o diretor do Cietec, Sérgio
Risola, as aceleradoras são bem-vindas e a convivência entre incubadoras e
aceleradoras é crescente. “Elas buscam escala de mercado e não concentram
atenção maior ao plano de negócio, querem que o dono da startupas
convençam de que vale a pena investir”, diz Risola. “Mas isso não vale para
todos os tipos de empresa”, ressalta. As aceleradoras normalmente buscam
empresas mais ligadas à área de tecnologia da informação. “Empresas startups em
áreas como nanotecnologia, biotecnologia e energia, demandam mais tempo para
chegar ao mercado. Esses casos interessam menos às aceleradoras e precisam de
uma incubadora para se fortalecer no mercado.”
Projeto
Análise de viabilidade técnico-científica de um curativo com luz para fototerapia (nº 2014/50569-2); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador Responsável Marcelo Sousa (Bright); Investimento R$ 54.045,37 e US$ 10.233,00 (FAPESP).
Análise de viabilidade técnico-científica de um curativo com luz para fototerapia (nº 2014/50569-2); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador Responsável Marcelo Sousa (Bright); Investimento R$ 54.045,37 e US$ 10.233,00 (FAPESP).
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